Para quem considera o irracionalismo uma lamentável patologia de nossa sociedade, a constatação é bastante deprimente. Digite “2012” no Google e umas das primeiras ocorrências que você terá é “fim do mundo” – sinal de uma preocupação amplamente partilhada pelos internautas. Como afirma um persistente rumor, é de fato no dia 21 de dezembro de 2012, data que supostamente marcaria o fim do antigo calendário maia, que ocorrerá um encadeamento de calamidades suficiente para levar a uma forma de apocalipse.
O que acontecerá no próximo 21 de dezembro? Nada de especial. Pois mesmo se atribuirmos a sacerdotes-astrólogos de meados do primeiro milênio o sobrenatural poder de conseguir prever o fim do mundo, essa data de 21 de dezembro de 2012 não marca de forma alguma o fim dos tempos para os maias dessa época. O epigrafista americano David Stuart (Universidade do Texas em Austin, EUA), um dos maiores conhecedores dos sistemas mesoamericanos de numeração e de contagem do tempo, calculou o verdadeiro final do calendário maia, que, como veremos, deixará à Humanidade um respiro bem maior que os cerca de 300 dias que ainda nos restariam para viver, até o fatídico 21 de dezembro de 2012.
Para entender melhor, é preciso passar por explicações que associam muitos números a palavras impronunciáveis, descrevendo sutis encaixes matemáticos. Mas ter, afinal, acesso à verdadeira data do apocalipse – ainda que maia – de fato merece um pequeno esforço de concentração. Para começar, é preciso saber que os sistemas de contagem do tempo entre os maias não são lineares – como é o caso da forma como contamos os anos, que parece não precisar ter um fim - , mas também incluem uma dimensão cíclica. Diversos ciclos, de durações variadas, se imbricam ou se contêm. O primeiro deles dura 52 anos e é “comum a todos os povos da Mesoamérica”, explica David Stuart. De onde vêm, então, esses cerca de 52 anos, que parecem tão bambos para o homem ocidental? É aí que as coisas começam a ficar interessantes.
Os maias dispunham de vinte dias chamados (em maia iucateca) Imix, Ik’, Ak’bal, etc., enquanto nós temos sete. E como eles provavelmente tinham menos medo que nós de coisas complicadas, eles numeravam esses dias de 1 a 13 – esse número possuía uma importância particular na cosmologia maia, da mesma forma que para os apostadores de loteria do século 21.
Assim, cada data era marcada pela associação de um número e de um dia, sendo que o dia seguinte era marcado pela associação do dia e do número seguintes (“1 Imix”, “2 Ik”, “3 Ak’bal”, etc.). Mas, como é impossível numerar os dias até 20, é preciso multiplicar 13 por 20 para obter o número de dias ao final do qual esse calendário ritual – chamado tzolk’in – efetuava uma “volta completa”. No tzolk’in, portanto, partindo de uma data (por exemplo, “1 Imix”), eram necessários 260 dias para voltar a ela.
Para vocês, leitores do “Le Monde” que chegaram até aqui, as coisas não devem parecer tão complicadas: o ano maia simplesmente tinha 260 dias. Mas, é claro, isso seria simples demais. Isso porque os maias não eram completamente ignorantes. Eles sabiam perfeitamente que o ano solar mede 365 dias, e não 260.
Então, ao calendário ritual eles acrescentavam um outro calendário, chamado haab. Este se dividia em dezoito meses (Pop, Wo, Sip, Sotz’, etc.), cada um com 20 dias. Nesse sistema, paralelo ao primeiro, as datas são simples: ao “1 Pop” sucedem o “2 Pop”, depois o “3 Pop”, e assim por diante. E ao “20 Pop” sucedem o “1 Wo”, depois o “2 Wo”, etc. Aos 360 dias desse outro ciclo se somava um período liminar de cinco dias que permitia fazer uma correspondência entre o haab e o ano solar.
Vocês precisam saber, seu sofrimento ainda não chegou ao fim. Isso porque agora é preciso entender como esses dois ciclos de 260 e de 365 dias usados paralelamente – o tzolk’in e o haab – funcionam em um ciclo de 52 anos, ou seja, 18.980 dias. Não é tão complexo assim: para marcar uma data, os antigos maias justapunham os dois sistemas anuais. Assim, uma data podia ser marcada como “1 Imix 1 Pop”.
Ora, para que o primeiro dia de um volte a coincidir com o primeiro dia do outro, é preciso que transcorram 18.980 dias, ou seja, 52 anos solares. Esse ciclo é comumente chamado de “conta curta” pelos maianistas.
Vocês adivinharam: falar em uma conta curta implica a existência de uma “conta longa”... Portanto, não acabou: há mais palavras estranhas e mais números. Essa famosa conta longa permitia que se marcasse o transcorrer dos dias graças a uma decomposição do tempo em cinco unidades encaixadas: o k’in (um dia), o winal (período de 20 dias), o tun (período de 360 dias), o k’atun (7.200 dias, ou seja, 20 tun) e o bak’tun (144 mil dias ou 20 k’atun).
David Stuart dá um exemplo simples: o nascimento de K’inich Janab Pakal, grande rei de Palenque (México). Em nosso calendário, ele nasceu no dia 23 de março de 603 d.C. Essa data caía – aguentem mais um pouco aí – em “8 Ahaw” no tzolk’in e no “13 Pop” no haab. E na conta longa, ela se escrevia como o transcorrer de 9 bak’tun, 8 k’atun, 9 tun, 13 winal e zero k’in (ou seja, um total de 1.357.100 dias), após uma data-origem que marca o início desse ciclo longo. De modo que, de forma definitiva, essa data se escrevia justapondo-se as marcações das contas longas e curtas: “9.8.9.13.0 – 8 Ahaw 13 Pop”. Se você se perdeu nas palavras ou nos números, não hesite em reler esse parágrafo.
Quanto à data-origem do ciclo longo, ela se situa no dia 13 de agosto do ano 3.114 a.C. Por que diabos nesse dia? “A escolha dessa referência permanece um mistério”, responde David Stuart. “Os textos maias descrevendo aquilo que supostamente aconteceu naquele momento são bastante vagos, mas um deles diz que naquele dia ‘os deuses foram colocados em ordem’, dando a entender que houve uma espécie de reorganização das forças do cosmos”.
O problema com a conta longa é mais seu fim programado do que seu enigmático começo. Isso porque a conta longa só pode “conter” treze bak’tun, ou seja, pouco mais de 5.125 anos. Como ele começou em 3.114 antes de nossa era, seu fim está próximo. “O próximo 21 de dezembro de fato verá o fim do 13º bak’tun, o que provavelmente teria sido uma data importante para os antigos maias”, diz David Stuart. “No entanto, não temos nenhum texto que preveja o fim do mundo nesse momento, e o tempo maia não para nessa data!”
Longe disso. Algumas estelas, em especial uma descoberta em Cobá (México), exibem uma contagem do tempo muito mais extensa. É a “grande conta longa”, que engloba e ultrapassa os outros sistemas. Onde a conta longa funciona graças a cinco unidades de tempo, a grande conta longa “possui mais 19 delas”, diz o maianista americano. Para passar de uma unidade para a unidade de nível superior, deve-se multiplicar por vinte (os maias contavam usando uma base de 20). Assim, o piktun, situado acima do bak’tun, representa pouco mais de 7.890 anos. E assim por diante. Já pode se antecipar o forte potencial do sistema.
“O tempo maia é muito mais vasto do que tudo aquilo que foi concebido por outras cosmologias ou por nossa própria ciência”, explica David Stuart. “Assim, alguns acontecimentos mitológicos são situados em datas que, se forem calculadas, nos remetem para bem antes do Big Bang”, ou seja, há mais de 13,7 bilhões de anos. Textos maias também preveem aniversários de coroamentos ou de nascimentos de reis, para muito depois do fim do 13º bak’tun...
Quanto à capacidade total do tempo maia, ela pode ser calculada. Foi isso que David Stuart tentou fazer: se a conta longa cessa após cerca de 5.125 anos, a grande conta longa só se esgota após transcorridos 72.848.437.894.736.842.105.263.157.200 anos solares.
Ou seja, daqui a mais de 72 octilhões de anos. O próprio transcorrer do tempo e a estrutura do universo não terão muito mais a ver com aquilo que conhecemos hoje. É preciso dar o braço a torcer para os antigos maias: é grande a probabilidade de que a Humanidade não esteja mais nas paragens para se interessar por essas transformações.
Fonte:Para entender melhor, é preciso passar por explicações que associam muitos números a palavras impronunciáveis, descrevendo sutis encaixes matemáticos. Mas ter, afinal, acesso à verdadeira data do apocalipse – ainda que maia – de fato merece um pequeno esforço de concentração. Para começar, é preciso saber que os sistemas de contagem do tempo entre os maias não são lineares – como é o caso da forma como contamos os anos, que parece não precisar ter um fim - , mas também incluem uma dimensão cíclica. Diversos ciclos, de durações variadas, se imbricam ou se contêm. O primeiro deles dura 52 anos e é “comum a todos os povos da Mesoamérica”, explica David Stuart. De onde vêm, então, esses cerca de 52 anos, que parecem tão bambos para o homem ocidental? É aí que as coisas começam a ficar interessantes.
Os maias dispunham de vinte dias chamados (em maia iucateca) Imix, Ik’, Ak’bal, etc., enquanto nós temos sete. E como eles provavelmente tinham menos medo que nós de coisas complicadas, eles numeravam esses dias de 1 a 13 – esse número possuía uma importância particular na cosmologia maia, da mesma forma que para os apostadores de loteria do século 21.
Assim, cada data era marcada pela associação de um número e de um dia, sendo que o dia seguinte era marcado pela associação do dia e do número seguintes (“1 Imix”, “2 Ik”, “3 Ak’bal”, etc.). Mas, como é impossível numerar os dias até 20, é preciso multiplicar 13 por 20 para obter o número de dias ao final do qual esse calendário ritual – chamado tzolk’in – efetuava uma “volta completa”. No tzolk’in, portanto, partindo de uma data (por exemplo, “1 Imix”), eram necessários 260 dias para voltar a ela.
Para vocês, leitores do “Le Monde” que chegaram até aqui, as coisas não devem parecer tão complicadas: o ano maia simplesmente tinha 260 dias. Mas, é claro, isso seria simples demais. Isso porque os maias não eram completamente ignorantes. Eles sabiam perfeitamente que o ano solar mede 365 dias, e não 260.
Então, ao calendário ritual eles acrescentavam um outro calendário, chamado haab. Este se dividia em dezoito meses (Pop, Wo, Sip, Sotz’, etc.), cada um com 20 dias. Nesse sistema, paralelo ao primeiro, as datas são simples: ao “1 Pop” sucedem o “2 Pop”, depois o “3 Pop”, e assim por diante. E ao “20 Pop” sucedem o “1 Wo”, depois o “2 Wo”, etc. Aos 360 dias desse outro ciclo se somava um período liminar de cinco dias que permitia fazer uma correspondência entre o haab e o ano solar.
Vocês precisam saber, seu sofrimento ainda não chegou ao fim. Isso porque agora é preciso entender como esses dois ciclos de 260 e de 365 dias usados paralelamente – o tzolk’in e o haab – funcionam em um ciclo de 52 anos, ou seja, 18.980 dias. Não é tão complexo assim: para marcar uma data, os antigos maias justapunham os dois sistemas anuais. Assim, uma data podia ser marcada como “1 Imix 1 Pop”.
Ora, para que o primeiro dia de um volte a coincidir com o primeiro dia do outro, é preciso que transcorram 18.980 dias, ou seja, 52 anos solares. Esse ciclo é comumente chamado de “conta curta” pelos maianistas.
Vocês adivinharam: falar em uma conta curta implica a existência de uma “conta longa”... Portanto, não acabou: há mais palavras estranhas e mais números. Essa famosa conta longa permitia que se marcasse o transcorrer dos dias graças a uma decomposição do tempo em cinco unidades encaixadas: o k’in (um dia), o winal (período de 20 dias), o tun (período de 360 dias), o k’atun (7.200 dias, ou seja, 20 tun) e o bak’tun (144 mil dias ou 20 k’atun).
David Stuart dá um exemplo simples: o nascimento de K’inich Janab Pakal, grande rei de Palenque (México). Em nosso calendário, ele nasceu no dia 23 de março de 603 d.C. Essa data caía – aguentem mais um pouco aí – em “8 Ahaw” no tzolk’in e no “13 Pop” no haab. E na conta longa, ela se escrevia como o transcorrer de 9 bak’tun, 8 k’atun, 9 tun, 13 winal e zero k’in (ou seja, um total de 1.357.100 dias), após uma data-origem que marca o início desse ciclo longo. De modo que, de forma definitiva, essa data se escrevia justapondo-se as marcações das contas longas e curtas: “9.8.9.13.0 – 8 Ahaw 13 Pop”. Se você se perdeu nas palavras ou nos números, não hesite em reler esse parágrafo.
Quanto à data-origem do ciclo longo, ela se situa no dia 13 de agosto do ano 3.114 a.C. Por que diabos nesse dia? “A escolha dessa referência permanece um mistério”, responde David Stuart. “Os textos maias descrevendo aquilo que supostamente aconteceu naquele momento são bastante vagos, mas um deles diz que naquele dia ‘os deuses foram colocados em ordem’, dando a entender que houve uma espécie de reorganização das forças do cosmos”.
O problema com a conta longa é mais seu fim programado do que seu enigmático começo. Isso porque a conta longa só pode “conter” treze bak’tun, ou seja, pouco mais de 5.125 anos. Como ele começou em 3.114 antes de nossa era, seu fim está próximo. “O próximo 21 de dezembro de fato verá o fim do 13º bak’tun, o que provavelmente teria sido uma data importante para os antigos maias”, diz David Stuart. “No entanto, não temos nenhum texto que preveja o fim do mundo nesse momento, e o tempo maia não para nessa data!”
Longe disso. Algumas estelas, em especial uma descoberta em Cobá (México), exibem uma contagem do tempo muito mais extensa. É a “grande conta longa”, que engloba e ultrapassa os outros sistemas. Onde a conta longa funciona graças a cinco unidades de tempo, a grande conta longa “possui mais 19 delas”, diz o maianista americano. Para passar de uma unidade para a unidade de nível superior, deve-se multiplicar por vinte (os maias contavam usando uma base de 20). Assim, o piktun, situado acima do bak’tun, representa pouco mais de 7.890 anos. E assim por diante. Já pode se antecipar o forte potencial do sistema.
“O tempo maia é muito mais vasto do que tudo aquilo que foi concebido por outras cosmologias ou por nossa própria ciência”, explica David Stuart. “Assim, alguns acontecimentos mitológicos são situados em datas que, se forem calculadas, nos remetem para bem antes do Big Bang”, ou seja, há mais de 13,7 bilhões de anos. Textos maias também preveem aniversários de coroamentos ou de nascimentos de reis, para muito depois do fim do 13º bak’tun...
Quanto à capacidade total do tempo maia, ela pode ser calculada. Foi isso que David Stuart tentou fazer: se a conta longa cessa após cerca de 5.125 anos, a grande conta longa só se esgota após transcorridos 72.848.437.894.736.842.105.263.157.200 anos solares.
Ou seja, daqui a mais de 72 octilhões de anos. O próprio transcorrer do tempo e a estrutura do universo não terão muito mais a ver com aquilo que conhecemos hoje. É preciso dar o braço a torcer para os antigos maias: é grande a probabilidade de que a Humanidade não esteja mais nas paragens para se interessar por essas transformações.
Stéphane Foucart
Tradutor: Lana Lim